terça-feira, 1 de março de 2011

Inglaterra, o país do futebol


A intenção deste post não é analisar qualidade ou o estilo do futebol inglês dentro de campo. Gostaria de escrever sobre o clima que envolve este esporte na Inglaterra, na humilde opinião e visão de quem vivenciou isso de perto durante dois anos e meio. Comparar a organização ou a modernidade britânica com a brasileira é covardia. Mas eu falo mesmo de paixão nacional, de interesse e sentimento. Não é uma afirmação fácil de se fazer, depende muito do ponto de vista, mas pelo ângulo que quero abordar, não tenho dúvidas: a Inglaterra é o país do futebol.
Assisti a 35 jogos em estádios na Terra da Rainha entre 2008 e 2010, alguns a trabalho jornalístico, outros apenas por prazer. Sem contar os diversos duelos acompanhados em pubs ou em locais repletos de torcedores. Confesso que a cada vez que vejo pela TV alguma partida por lá me bate uma saudade incontrolável. Acho que vai ser difícil transmitir em palavras a sensação de estar lá, mas tentarei, e também colocarei algumas fotos e vídeos. Desde a ida de metrô para o estádio, o pré-jogo em um pub, os cantos das torcidas nas ruas e arquibancadas, o espetáculo. Sei lá, tudo isso é contagiante. Contando algumas histórias, tentarei explicar o motivo da afirmação do título deste post.

Só em Londres, são 12 times de futebol profissional, sendo que 5 deles estão na Primeira Divisão. A rivalidade originada por região da cidade, entre Arsenal e Tottenham (norte), Chelsea e Fulham (sul), e West Ham e Millwall (sudeste), é algo histórico e de grandes dimensões. Adversários e inimigos que surgiram por um motivo geográfico, praticamente desde a fundação desses clubes, independentemente da diferença de qualidade ou grandeza de cada um. O melhor exemplo é o ódio entre torcedores do West Ham, que disputa a Premier League, e o Millwall, que atualmente está na Segunda Divisão, mas ficou na Terceira por bastante tempo. Esta rivalidade foi retratada até no filme “Hooligans, Green Street Elite”. E olha que essas duas equipes só têm se enfrentado nos últimos anos (ficaram de 1993 a 2003 sem duelar) quando sorteadas para um embate nos mata-matas da Copa da Inglaterra ou Copa da Liga. Assim como aconteceu no filme, isso foi repetido em agosto de 2009, para a minha sorte. Do lado de fora do estádio do West Ham, presenciei o clima de guerra deste duelo, que teve a vitória do time da casa, por 3 a 1, e foi marcado por três invasões de campo, além das inúmeras brigas entre torcedores e com a polícia.

Brigas que, claro, são tão absurdas e violentas quanto às que acontecem no Brasil. Mas com uma grande diferença, existe punição para os envolvidos. Desde multas até prisões, proibição de frequentar estádios, obrigatoriedade de serviços sociais, etc. Quer outro exemplo? Acompanhei o jogo de volta da semifinal da Champions League de 2008, entre Chelsea e Liverpool, em um pub bem perto de Stamford Bridge. Os Blues se classificaram, mas quem abriu o placar foram os visitantes. Um “esperto” e corajoso torcedor dos Reds comemorou o gol no pub lotado de adversários. Resultado: nunca vi tanto copo de pint voando pelos ares, vidros explodindo nas paredes. O pau comeu. Porém, não demorou um minuto para os policiais entrarem no local, resolverem a situação e dispersar todos. Pub fechado, briguentos conduzidos à delegacia e quem quisesse continuar vendo o jogo que procurasse outro lugar.
Aliás, essa foi uma grande transformação que aconteceu no início dos anos 90 quando o hooliganismo foi combatido de forma mais dura. O futebol inglês foi elitizado, os hooligans fichados foram afastados do palco do espetáculo, e as brigas não acontecem mais dentro dos estádios. Os ingressos que antigamente chegavam a custar até 10 libras, hoje são vendidos em uma média de 30 a 100 libras. Os brigões até continuam bebendo e aprontando em pubs e arredores, mas as confusões diminuíram consideravelmente.

Muitos amigos que vão de férias para a Inglaterra me perguntam sobre como conseguir ingresso para assistir a um jogo. Logo de cara, a resposta é: “Praticamente impossível”. Os grandes clubes vendem carnês antecipados válidos para a temporada, os quais apenas sócios conseguem comprar. Ou seja, raramente sobram ingressos. Os estádio estão sempre lotados. Com sorte, é possível conseguir algum bilhete para jogos menores das primeiras fases das Copas nacionais, ou para as últimas rodadas da Premier League, caso a equipe já não tenha mais aspirações no torneio. Vamos a um exemplo sobre como o processo ocorre no Arsenal. O clube possui quatro níveis de sócios: platinum, gold, silver e red. Se os donos do carnês abrem mão do ingresso para uma determinada partida, a venda é aberta primeiramente para os associados platinum, somente depois para o gold e assim por diante. Raramente um sócio red consegue assistir a uma partida boa, imagina então quem não é sócio. Os bilhetes vão para a “general sale” uma vez na vida outra na morte, nas ocasiões já citadas. Existem duas opções alternativas para um turista ter o privilégio de assistir a uma partida: pagar um preço altíssimo e comprar de cambistas (Sim, eles existem por lá também. Geralmente, são tiozinhos malandros que compram o carnê, pegam o ingresso e revendem) ou adquirir em agências de turismo, que fazem pacotes e enfiam a faca pela preciosidade. Jogos de clubes menores ou fora de Londres são sempre mais acessíveis.
Como já disse no início, não quero fazer comparações entre a realidade de um país de Primeiro Mundo com um subdesenvolvido. É sacanagem. Também não duvido da paixão dos torcedores brasileiros pelos seus clubes. Também tenho meu time do coração e sou fanático por futebol. Mas estamos bem longe de chegarmos à atmosfera inglesa. Tudo isso passa pelo problema social, educacional, cultural e de mentalidade que envolve nosso país, não é uma exclusividade do esporte.

Duas semanas atrás, Arsenal e Barcelona se enfrentam pelas oitavas-de-final da Champions League, no Emirates Stadium. Há um ano, pelas quartas-de-final, o mesmo confronto, o mesmo local, e eu estava lá. Às vezes eu acho que parece até um pouco de pretensão, mas eu me sinto em casa no Emirates. Foi o primeiro estádio que fui na Inglaterra, onde assisti 16 desses 35 jogos, onde fui melhor recebido para fazer entrevistas e escrever matérias, além de a Seleção Brasileira ter atuado três vezes por lá durante esse tempo. Logo que mudei pra Londres, morei por alguns meses no bairro de Finsbury Park, a 10 minutos andando do estádio. Por esses e outros motivos, tornei-me torcedor do Arsenal.
É meio que inexplicável a emoção de ouvir ao vivo a execução do hino oficial da Champions. Torcida do Liverpool cantando “You`ll never walk alone"; do West Ham entoando “I`m forever blowing bubbles” (no vídeo abaixo); do Arsenal com “The wonder of you”; turcos fazendo a festa no Stamford Bridge mesmo com a derrota do Fenerbahçe para o Chelsea; Tevez, já pelo Manchester City, vestindo a camisa do West Ham após ser ovacionado durante o jogo todo em Upton Park; jogos do Fulham no Craven Cottage na histórica campanha do vice-campeonato da Europa League... São algumas cenas marcantes e que não saem da cabeça.
Na lista dos estádios ingleses que conheci, entram também: Wembley, Stamford Bridge (Chelsea), White Hart Lane (Tottenham), Craven Cottage (Fulham), Boleyn Ground (West Ham), Loftus Road (Queen`s Park Rangers), The Den (Millwall), Anfield Road (Liverpool) e Old Trafford (Manchester United). Cada um com uma peculiaridade distinta. Acho que terei que dividir esse post em muitos outros para abordar outros temas relacionados e contar mais histórias.
Por ora, espero ter conseguido passar um pouco da experiência na Inglaterra. Em breve, postarei mais fotos e vídeos. Enquanto isso, um pensamento esperançoso. Daqui a três anos teremos Copa do Mundo no Brasil. Quem sabe não conseguimos usar também a paixão brasileira (com racionalidade) pelo esporte para chegarmos mais perto do que acontece do outro lado do oceano. Problemas existem e são muitos. Confesso que temo pelo Mundial de 2014. Mas acho que, se cada um cumprisse o seu papel corretamente (isso vale para quem tem o poder e também para os simples torcedores), nosso país poderia e teria a capacidade de promover um belo espetáculo para o mundo ver, da mesma forma que assistimos de longe pela TV o que os ingleses produzem.

Legendas: 1) Wembley dividido ao meio para Chelsea 2 x 1 Arsenal, semifinal da FA Cup, 18 de abril de 2009 - 2) Emirates Stadium - 3) Arsenal 1 x 3 Macnhester United, Emirates Stadium, semifinal da Champions League, 6 de maio de 2009 - 4) Chelsea 0 x 1 Inter de Milão, Stamford Bridge, oitavas-de-final da Champions, 16 de março de 2010 - 5) Torcedores do Fulham comemoram a histórica classificação para a final da Europa League, no Craven Cottage, após vitória por 2 a 1 sobre o Hamburgo, 29 de abril de 2010

Vídeos: 1) torcedores do West Ham cantando "I`m forever blowing bubbles", na Green Street, próximo ao estádio, antes da vitória sobre o rival Millwall por 3 a 1, pela Copa da Liga, em 25 de agosto de 2009 - 2) hino da Champions League antes de Manchester United 2 x 2 Porto, no Old Trafford, pelas quartas, dia 7 de abril de 2009

2 comentários:

  1. Tiago, parabéns pelo blog.
    Estarei em Londres entre 14 e 16 abril. No dia 16/04/2011 tem Arsenal e Liverpool e quero muito estar dentro do Emirates Stadium nesse jogo. Você sabe me dizer onde eu posso encontrar os "tiozinhos malandros" (cambistas) ou referências de agências de turismo onde eu possa adquirir ingressos pro jogo.
    Grato.

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  2. Fala, Carlos...
    Valeu pelo elogio e pela leitura.
    Esse é um daqueles jogos difíceis de arrumar ingresso, mas se você tiver disposto a desembolsar uma grana, acho que rola.
    O cambistas ficam ao redor do Emirates mesmo. Desce na estação Arsenal do metrô, uma hora antes do jogo mais ou menos, e vai andando até o estádio. No caminho você vai encontrar alguém oferecendo ingresso.
    Se quiser tentar em agência de turismo, logo que você chegar em Londres, vai bem no centro da cidade, entre Leicester Square e Piccadilly Circus. Procura nas mesmas agências que vendem tickets para os teatros, em algumas delas eles têm pacote pros jogos também.
    Boa sorte!
    Abraço

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