domingo, 11 de dezembro de 2011

Síria: turismo e vida normal em um país que sofre com conflitos e revolta contra Bashar al-Assad


Dos sete países visitados no Oriente Médio, a Síria com certeza foi o que me criou mais expectativa. A tão falada hospitalidade da população local, as ruínas de Palmyra, os souqs de Aleppo e as mesquitas da capital Damasco são os principais motivos da visita de qualquer um. No entanto, desta vez, algo nem tão admirável prendia minha atenção: os conflitos e a violência no país por causa da revolta de civis contra o governo ditatorial de Bashar al-Assad.
Pensei muito antes de ir, cogitei tirar a Síria do roteiro cada vez que eu via na TV as cenas de guerra e os milhares de mortos, mas a cada pequena informação positiva que eu via tinha mais certeza que deveria ir. Depois de ir e de viver toda a experiência, fica a lição de que valeu muito a pena. Apesar de tanques de guerra, metralhadoras e exército nas ruas, o risco foi mínimo. Eu diria que quase nenhum. Me senti muito mais seguro por lá do que em muitos lugares de São Paulo.

Foram três noites na Síria, entre Aleppo, Damasco e Palmyra, no final de setembro de 2011. Pelo bom senso, não fomos para Homs e nem Hama, as cidades onde estão acontecendo os maiores protestos. Durante esse tempo, além de mim e do Chuck, parceirasso deste mochilão, entre estrangeiros, encontramos apenas um casal de antipodeans (australiana e neozelandês) por lá. Acho que éramos os únicos turistas naquele momento no país todo, o que comprova que o cenário tenso afasta bastante as pessoas e desencoraja os viajantes. Inúmeras vezes fomos parados nas ruas por simpáticos sírios, desde crianças até velhinhos, impressionados e satisfeitos com a presença de estrangeiros por lá. Não foram poucos os “Welcome to Syria” que ouvimos.

Pode parecer loucura visitar um país em guerra, mas foi uma das melhores experiências que já tive. Claro que a situação por lá não é boa, mas a impressão que se tem vendo apenas as notícias da mídia internacional é muito pior. Na verdade, a vida segue bem normal para a grande maioria das pessoas, as cidades funcionam normalmente, sem qualquer sinal de caos, pelo menos em Damasco e Aleppo. O que, de fato, está bastante afetado é o turismo. Palmyra, onde ficam as ruínas romanas que são a atração mais visitada do país, é uma cidade fantasma atualmente. Quando estivemos lá, além de nós, só tinham camelos e alguns beduínos. Chegamos a pegar um táxi de graça, depois de dizermos que iríamos fazer o trajeto a pé, pelo simples fato de o motorista dizer: “Vocês são os primeiros turistas aqui nos últimos três meses, então eu levo vocês de graça mesmo, é melhor do que ficar sem fazer nada”.

Vendo de fora o que acontece na Síria, a primeira coisa que vem à cabeça é uma comparação com o que aconteceu com o Mubarak, no Egito, e com o Khadafi, na Líbia. Não sou especialista no assunto, mas o que me parece é que são situações bem diferentes. O al-Assad tem o apoio de muita gente por lá, pelo menos por enquanto. Os protestos contra ele se concentram em algumas regiões, mas ainda não é uma coisa generalizada. Por onde passei, é impressionante o número de cartazes e placas espalhados com a foto do presidente, embora eu imagine que em alguns lugares as pessoas colocam isso muito mais por obrigação e por medo do que propriamente por suporte a ele.
Bashar al-Assad está no comando da Síria desde 2000, após a morte do pai, Hafez al-Assad, que foi presidente de 1971 até então. As revoltas contra a política do ditador começaram em março de 2011 e até agora, segundo a ONU, mais de 4.000 pessoas já morreram.
Na prática mesmo, apesar da dificuldade na comunicação, não tivemos grandes problemas para encontrar hotéis, para pegar ônibus, para comer em restaurantes. Até mesmo cerveja nós conseguimos comprar em diversos lugares, apesar de os muçulmanos serem proibidos de consumir bebida alcoólica. A única coisa que está realmente afetada é o uso do cartão de crédito internacional, tanto para sacar dinheiro quanto para fazer compras. Com o embargo econômico dos Estados Unidos, não está mais funcionando por lá nenhum cartão de fora do país, seja Visa ou Mastercard. Tentei sacar dinheiro no caixa eletrônico algumas vezes, mas nada feito. Como eu já sabia disso, tinha levado cash mesmo, um pouco em libras sírias e um pouco em euro. Outra dificuldade por lá é no acesso à internet. Sites como Hotmail, Gmail, Facebook e Twitter são bloqueados pelo governo, apesar de existirem algumas lanhouses que dão um jeito de burlar isso.

Mesmo nos checkpoints militares que passamos nas estradas, não houve perturbações. Apenas checagem de passaporte e breves perguntas sobre o motivo da viagem. E por falar em passaporte, aí vai uma grande vantagem de ser brasileiro. Ficou muito evidente que ao saberem que éramos do Brasil, a preocupação deles acaba. A imagem de paz do nosso país ajuda bastante. Era falar em Brasil, que vinham sorrisos, brincadeiras e, claro, citações ao samba, ao futebol e a Ronaldinho, Kaká e companhia.

Apesar de ter sido tudo bem tranquilo, poderia ter sido muito complicado já desde a imigração. Aí vai uma boa sacada que eu tive antes mesmo da viagem. Tirei o visto sírio, que é obrigatório, aqui em São Paulo e quando preenchi o formulário não coloquei que eu era jornalista. Meti um administrador de empresas no papel. Tiro certo. Se eu tivesse colocado jornalista, eu não teria entrado no país. Ou, no mínimo, teria vários problemas. Quando cruzei a fronteira, vindo da Turquia, foi a única pergunta feita incisivamente pelo oficial de imigração: Qual a sua profissão? Ficou claro a preocupação e a censura que o governo local está fazendo com a mídia internacional por causa da situação no país. Vale citar que com o visto tirado no Brasil, por 78 reais, não é preciso desembolsar mais nada na entrada à Síria, mas paga-se 500 pounds sírios (7 euros) na saída do país.
Bom, mas e o que tem de bom para fazer na Síria? No próximo post escrevo mais detalhadamente sobre as cidades que visitei, costumes e atrações turísticas. Antes, deixo dois links aqui bem interessantes. O primeiro é sobre o relato à “Folha de S. Paulo” de um jornalista brasileiro que foi preso na Síria. Impressionante! ( http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1008643-bem-vindo-a-siria-desculpe-por-prende-lo.shtml ). O segundo é uma entrevista da ABC com o presidente Bashar al-Assad. Vale assistir! ( http://abcnews.go.com/International/bashar-al-assad-interview-defiant-syrian-president-denies/story?id=15098612#.TuJy3WMk67s ).
Salaam Aleikum!

Legendas: 1) Cartazes com foto do presidente Bashar al-Assad estão espalhados pelas ruas e prédios da Síria - 2) Apesar dos conflitos, vida segue normal em Damasco, como se vê no Souq al-Hamidiyya - 3) Já na turística Palmyra virou uma cidade fantasma, as ruas estão desertas - 4) Mesquita Umayyad, a maior do país, em Damasco - 5) Citadel, em Aleppo - 6) Campo de refugiados sírios, perto da cidade de Antakya, na Turquia, logo depois da fronteira

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