quarta-feira, 4 de abril de 2012

Cairo: a visita às Pirâmides requer precaução em um país em conflito mesmo pós-Mubarak


O Egito entrou no meu roteiro do mochilão do Oriente Médio meio de última hora. Eu estaria tão perto de lá e não poderia deixar de ver as Pirâmides, a única das Sete Maravilhas do Mundo Antigo ainda inteira atualmente. É um lugar histórico, místico e com uma imensa riqueza cultural. Mas nem tudo por lá é tão maravilhoso quanto se parece. Muito pelo contrário.
Depois de ser praticamente extorquido na imigração, cheguei ao Cairo com a cidade com toque de recolher. Era por volta das 6 horas da manhã e as ruas do centro estavam desertas, várias delas interditadas, carros carbonizados e o exército nas ruas. Sinais de guerra. Na noite anterior tinha acontecido um conflito entre cristãos que protestavam e militares, confusão que deixou mais de 20 mortos.
O Egito em geral tem muitos lugares a serem visitados, como o Monte Sinai, os templos de Luxor, os resorts de Sharm el-Sheikh no Mar Vermelho ou um cruzeiro pelo Rio Nilo. Mas o Cairo mesmo não possui tantos atrativos assim. Com exceção, claro, das Pirâmides, que ficam localizadas no subúrbio, na região de Gizé, o resto só vale a pena mesmo se o viajante estiver bastante disposto a aguentar algumas perturbações. Paciência e uma dose de precaução são os segredos.

Desde a queda do ditador Osni Mubarak, em janeiro de 2011, a situação do país permanece praticamente a mesma: um caos. A junta militar que comanda o país durante essa transição para um novo governo sofre resistência de boa parte da população, e uma solução não parece próxima de ser encontrada. Os protestos e confrontos entre manifestantes e polícia são frequentes por lá.
No entanto, nos três dias que fiquei na capital egípcia em outubro de 2011, não me senti em perigo em nenhum momento. Claro que é preciso ter cuidado, mas o viajante ou turista não é um alvo principal de violência. O problema social, de segurança, é interno, entre eles. Por outro lado, você se sente bastante incomodado com o assédio de vendedores ambulantes, desonestidade de taxistas (pegar um táxi é uma aventura, raros falam inglês) e chatos de plantão em outros serviços. É aquela sensação de que você está sendo passado para trás o tempo todo, levando gato por lebre. É preciso ficar alerta sempre. Mulheres devem ter um cuidado especial, evitando saírem sozinhas nas ruas e nunca usando roupas curtas, sempre respeitando a tradição islâmica. Mais uma vez, deixo claro que isso não é uma generalização. No meio da grande maioria de malandros, também encontrei pessoas do bem, preocupadas com a imagem do país, querendo ajudar os estrangeiros.

Mas vamos ao que interessa: as Pirâmides de Gizé. Elas ficam localizadas no subúrbio de Cairo, a cerca de 25 quilômetros ou pouco mais de meia hora do centro. Como nada é simples no Egito, a forma mais fácil de conhecer esta Maravilha do Mundo é fechar um tour diretamente no hotel ou em alguma agência de turismo, sempre barganhando bastante o preço, claro. Até existe um jeito mais barato de ir até lá, pegando mais de um ônibus, mas acho que a economia não vale o stress.
Além das três imponentes Pirâmides, Quéops, Quéfren e Miquerinos, a famosa Esfinge também fica no mesmo complexo, e o ingresso para tudo custa 60 pounds egípcios, ou 7 euros (estudante paga meia). Os monumentos, alguns construídos a mais de 2 mil anos antes de Cristo, são realmente espetaculares, históricos. Pagando um valor a mais, é possível entrar na maior das Pirâmides, Quéops, em alguns horários, apesar de o interior não ter atualmente nenhum atrativo além da mística ter sido no passado tumba de faraós. Os passeios de camelo por ali oferecidos pelos insistentes vendedores definitivamente não valem a pena, são claramente para pegar turista-trouxa.

No tour para Gizé, que pagamos acho que 180 pounds egípcios (pouco mais de 20 euros), fora os ingressos, também estava incluída a visita a Sakara, onde fica a Pirâmide de Djoser, ou pirâmide de degraus, localizada um pouco mais distante do centro da capital do Egito. No mesmo complexo existe um pequeno museu e ruínas de construções da antiguidade. O passeio inteiro, em um carro com um "motorista-guia", durou cerca de seis horas, de umas 9h da manhã até as 15h.
Na região mais central do Cairo, algumas atrações também ganham destaque, como o Museu Egípcio, repleto de itens que contam a história desta civilização, e a Praça Tahrir, palco das revoluções que derrubaram Mubarak. No bairro islâmico, uma visita certa é o Bazar Khan Al-Khalili, que, assim como nos outros países árabes, vende de tudo o que se possa imaginar (mas aí lembre-se da história de pechinchar os preços e do gato por lebre).

Também existem inúmeras mesquitas na cidade, com a Amr Inb Ass ou a Al-Azhar. Ali perto, numa parte um pouco mais alta, fica um dos pontos turísticos mais visitados, a Citadel of Salah Al-Din, que já foi sede do governo e onde fica a mesquita de Mohammed Ali. Na parte mais antiga da capital, é possível observar um pouco do contraste da cultura muçulmana com monumentos e igrejas cristãs e coptas. Já o bairro de Zamalek é onde ficam prédios residenciais e comerciais mais novos, de um padrão financeiro mais alto. E, claro, o Rio Nilo corta a cidade, apesar de que os passeios mais interessantes são navegando rumo ao sul do país.
Outro lado bom do Cairo é o custo, hoteis e restaurantes são bem baratos em geral. Fiquei no hotel Sara Inn, simples mais bem no centro, pagando 60 pounds egípcios (7 euros) por pessoa em um quarto duplo, com banheiro compartilhado. Mas certamente havia opções com preços ainda menores.

Antes de encerrar, vale um alerta quanto à entrada no país. É necessário visto para brasileiros, que pode ser tirado ainda no Brasil. Fui informado que eu poderia conseguir na embaixada egípcia em Israel (eu estava vindo de lá no mochilão) no mesmo dia que fizesse o pedido. Porém, chegando ao local em Tel Aviv, me falaram que demoraria três dias para ficar pronto. Como eu não tinha tempo para esperar, a casa não caiu por muito pouco. Através de uma agência de turismo credenciada, consegui o visto na hora, na fronteira mesmo, entre as cidades de Eilat e Taba, mas tive que pagar um preço bem mais alto pelo serviço. Certamente fomos extorquidos pelos larápios, até tentamos discutir, mas não tínhamos muita opção na hora. Era cerca de 1h da manhã quando cruzamos a fronteira, e pegamos uma van com direito a um segurança do exército junto para poder cruzar o deserto do Sinai, onde existem constantes ataques de beduínos. Depois de mais de 5 horas de viagem, chegamos ao Cairo.
Incômodos e aventuras à parte, conhecer a capital do Egito é vivenciar e ver com os próprios olhos um pouco daquilo que tanto ouvimos durante as aulas de história na escola. Só a visita às pirâmides já compensa qualquer outro problema que, infelizmente, é preciso enfrentar pela situação que o país atravessa.

Legendas: 1) A Grande Pirâmide de Quéops e a Esfinge - 2) Pirâmides de Quéops, Quéfren e a Esfinge - 3) O Museu Egípcio - 4) Mesquita de Mohammed Ali, na Citadel - 5) Rio Nilo no centro do Cairo - 6) Pirâmide de degraus, em Sakara

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Mais Israel: praias e baladas em Tel Aviv, o Yom Kippur, flutuação no Mar Morto e exército nas ruas


Tel Aviv é conhecida como uma das cidades que abriga as melhores baladas de música eletrônica do mundo. Além disso, conta com boas praias e um contagiante clima de litoral. Tudo isso unido à beleza das mulheres israelenses já citada no post anterior. Sabendo desta fama da cidade, programamos para estar por lá durante dois dias, sexta-feira e sábado, dias mais agitados para sair à noite. O planejamento quase deu certo. Quase. O “tal” do Yom Kippur não estava nos nossos planos. Estávamos em Tel Aviv no único dia do ano que realmente nada funciona. E isso, claro, também, vale para bares e baladas.
O Yom Kippur é o dia mais sagrado do ano para os judeus, é o feriado do dia do perdão, no qual eles ficam durante 25 horas em jejum e rezando intensamente. Neste período, que começa no pôr do sol do dia que antecede à data oficial, os judeus não podem trabalhar, comer, beber, usar a eletricidade, tomar banho, dirigir, fazer sexo, entre outras coisas. Ou seja, a cidade para, o país para.

Fomos de van de Jerusalém para Tel Aviv, em uma viagem de cerca de 1 hora e meia. Ficamos no hostel Hayarkon 48, uma excelente opção, apesar de ser um pouco mais caro (98 shekels ou 20 euros a diária). Chegamos ao hostel por volta das 16h30 completamente desavisados sobre o feriado, e só caímos na real quando o cara da recepção nos explicou a dimensão do que estava acontecendo. A primeira reação nossa foi de total frustração, sabendo que perderíamos as tão esperadas baladas. Porém, a oportunidade de vivenciar uma data tão importante para Israel e o clima mochileiro e festivo do hostel transformou a nossa decepção inicial em um momento marcante.
Antes mesmo de fazer o check-in, tivemos que correr em um mercado próximo para fazer compras de comida (já que tudo na cidade estaria fechado em poucos minutos) e, claro, fazer um estoque de bebidas também. Sem ter o que fazer na rua, a festa à noite aconteceu no terraço a céu aberto no topo do hostel, com viajantes de diversas partes do mundo, com direito a música, muita vodka, whisky e cerveja, e aquele clima internacional descontraído que só bons hostels podem oferecer.

No dia seguinte, sábado 8 de outubro de 2011, data do feriado de fato, as ruas de Tel Aviv seguiam vazias, sem nenhum movimento de carro e comércios fechados, apenas com ciclistas e pedestres dominando o espaço. Com isso, a grande atração da cidade eram mesmo as praias, sempre repletas de uma mulherada bem interessante e com uma bela vista para o Mar Mediterrâneo. Os estilo das pessoas da cidade é mais descontraído mesmo, você observa bem menos judeus ortodoxos, por exemplo.
Na orla do centro da cidade (que guardadas as devidas proporções lembra bastante o Rio de Janeiro), com grandes hotéis de luxo, ficam as praias de Aviv, Ge’la, Yerushalaym, Trumpeldor, Frishman, Gordon e Bundolo, todas acessíveis com uma caminhada. Em dias normais, quando os bares estão abertos e com música, o movimento é ainda melhor. Mais a Norte da cidade, indo em direção ao porto, fica a praia de Nordau, reservada para judeus ortodoxos, onde em determinados dias da semana só entram mulheres e em outros apenas homens.
Mais a Sul, fica a Cidade Velha de Jaffa, que conta com bons bares e restaurantes. Existem também alguns museus e sinagogas por lá, por exemplo, mas a viagem a Tel Aviv vale mesmo muito mais para se divertir e/ou relaxar aproveitando o clima litorâneo.
Após o pôr do sol de sábado, quando acaba o Yom Kippur, parte da vida por lá volta ao normal. Com isso, conseguimos aproveitar para ir a alguns bares e baladas menores, comprovando a fama da boa vida noturna de Tel Aviv. No domingo pela manhã, pegamos um ônibus de lá para Eilat, por 75 shekels (15 euros) e cinco horas de duração, e depois seguimos viagem para o Egito.

Entrada em Israel – Existem três pontos na fronteira para entrar em Israel vindo da Jordânia, que era o nosso caso. Vale lembrar que, apesar de Israel também estar ao lado de Líbano e Síria, não existe fronteira aberta com esses países devido aos conflitos. Ao Sul, existe um acordo com o Egito e pode-se cruzar a borda em um ponto.
Fizemos a travessia na fronteira Yitzhak Rabin/Wadi Araba, vindo de Aqaba (Jordânia) e entrando em Eilat, Sul de Israel. Chegamos bem cedo e estava bem vazio, o que acelerou nosso tempo na imigração. Mesmo assim, demoramos pouco mais de meia hora para fazer todo o processo, que é bem rígido. Como tínhamos carimbos de Síria e Líbano no passaporte, a oficial fez diversas perguntas em entrevistas individuais em uma sala fechada. Tudo por questão de segurança, temor ao terrorismo, devido às constantes guerras com os inimigos árabes. No caso do Chuck, a preocupação deles foi com o sobrenome alemão. Depois de comprovarmos que éramos humildes viajantes mochileiros, recebemos o visto de entrada no país. Não pagamos nada na fronteira, mas na saída de Israel é cobrado uma taxa de 68 shekels (14 euros).
Dizem que na travessia que fica mais próxima a Jerusalém e Amam o controle de imigração é ainda mais chato, com pessoas que frequentemente esperam por duas horas pelo processo inteiro.
Vale ressaltar que, apesar das perguntas, é possível entrar em Israel com o carimbo de Síria e Líbano no passaporte, mas o caminho inverso não pode ser feito. Além destes dois, outros países árabes impedem a entrada de qualquer pessoa que já tenha visitado Israel, mesmo sendo apenas a turismo.

Mar Morto – Entrando no país logo pela manhã, antes de seguirmos para Jerusalém, passamos para conhecer o Mar Morto, o ponto na Terra mais abaixo do nível do mar (-423 metros), que fica na divisa entre Israel em Jordânia. Pegamos um ônibus da companhia Egged em Eilat (45 shekels ou 9 euros) e depois de cerca de três horas chegamos a Ein Gedi, um dos mais tradicionais pontos para se visitar o Mar Morto. Existem também diversos outros ao longo da costa.
Apesar de ser uma “praia”, não pense que você vai encontrar uma praia de verdade por lá. Até rola tomar sol, mas ao invés de areia, existe uma pequena faixa de pedras. Mas o interessante mesmo é entrar no mar e ficar flutuando. Devido ao excesso de concentração de sal na água (dez vezes maior do que nos demais oceanos) e à densidade, você acaba boiando o seu corpo inteiro involuntariamente. O simples fato de ficar com os pés dentro do mar e a cabeça para fora se torna uma tarefa difícil. De fato, é uma experiência única. A recomendação é para não ficar mais de 15 minutos direto dentro da água. Outra atração do local é passar no corpo a lama de lá, que contém minerais e dizem fazer bem para a saúde. Para fazer tudo isso na praia, obviamente é de graça, mas paga-se se quiser ir a uma reserva natural que existe nas proximidades. Saindo de Ein Gedi, pegamos um ônibus no mesmo dia no final da tarde para Jerusalém.

Impressões gerais – Gostei bastante de Israel, me surpreendi de forma positiva e voltaria facilmente para lá. Depois de ter passado por diversos países árabes, a comparação vira até covardia. Apesar de também ser impossível entender e ler a língua hebraica, a maioria dos israelenses fala inglês e a sinalização nas ruas também usa os dois idiomas.
Apesar de todos os problemas políticos e das guerras, o país é bastante desenvolvido, o povo é educado e acostumado a receber turistas. A mulherada então é sensacional, como já escrevi algumas vezes aqui. Claro, não se pode generalizar, mas a maior parte é assim. Em relação ao resto do Oriente Médio, Israel é uma região bem cara, com o custo para um viajante (hospedagem, alimentação, transporte, baladas) bem perto ao da Europa.
Mas, apesar das semelhanças com países ocidentais, existem também muitas diferenças e situações que estamos pouco acostumados a presenciar por aqui. A principal delas é quanto à segurança e a preocupação deles com terrorismo e guerras. É impressionante o número de militares do exército (ah, as militares israelenses) espalhados pelas ruas. Você vê metralhadoras frequentemente da mesma forma que você vê guarda-chuvas na chuvosa Londres. Aconteceu de eu estar sentado em um ônibus ou em uma lanchonete e um cara sentar ao meu lado com uma dessas metrancas penduradas no pescoço. Lá é a coisa mais normal do mundo. Também vi vários caças voando pelo céu e mísseis perto da fronteira em Eilat apontados para algum inimigo (imaginei que fosse para Gaza ou para o Egito, pela proximidade). Sem falar nos inúmeros detectores de metais e raios-x nas entradas de qualquer prédio público, rodoviária, shopping e coisas do tipo. Para se ter uma ideia da importância do serviço militar em Israel, aos 18 anos todos no país são obrigados a se apresentar e a servir. Homens são recrutados e ficam por três anos e mulheres servem durante dois anos. Só existem raras dispensas em casos excepcionais, se a pessoa não for apta física ou mentalmente.
Os costumes judaicos e de parte da população local são outra coisa que chamam a atenção, mas também não é nada de outro planeta. Vende-se bebida alcoólica e qualquer lugar, narguilé é um hábito no país e restaurantes que servem alimentos kosher (preparados de acordo com a tradição dos judeus, sem a mistura de carne e leite, por exemplo), incluindo alguns McDonald's estão por todas as partes.
Bom, pelo tamanho destes dois posts sobre Israel já dá para ter uma boa noção de quanta coisa interessante o país pode oferecer. Isso porque não tive tempo de ir para lugares como Nazaré, Jericó, Haifa e o Mar da Galileia. Porém fiz uma visita obrigatória à Palestina, mais precisamente a Belém, na Cisjordânia, experiência que será relatada no próximo post.

Legendas: 1) Pôr do sol espectacular em Tel Aviv, com o Mar Mediterrâneo ao fundo - 2) Ruas desertas, sem carro, durante o Yom Kippur na avenida da praia em Tel Aviv - 3)Orla central de Tel Aviv, com praias como Frishman e Gordon beach - 4) Praia em Tel Aviv - 5) Mar Morto visto do lado de Israel, com pessoas flutuando, e a Jordânia do outro lado da costa - 6) Ein Gedi, uma das principais praias do Mar Morto do lado de Israel

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Jerusalém: a cidade sagrada para cristãos, judeus e muçulmanos mistura tranquilidade e agitação

Imagine um lugar onde muçulmanos, cristãos e judeus convivem juntos em uma área de 1 quilômetro quadrado. Agora imagine um lugar onde Jesus Cristo, Maomé e Abraão viveram momentos que construíram a história de suas religiões. Imagine ainda que neste mesmo lugar existem militares “desfilando” normalmente nas ruas com metralhadoras penduradas no pescoço. E pense que boa parte dessas militares são mulheres e gostosas. Calma, não acabou. Ao mesmo tempo que existem lugares sagrados e calmos nesta cidade, há muito agito noturno, bares e baladas. E as tais mulheres militares vão pra essas baladas à noite (sem as metralhadoras, claro). Bom, mas mesmo sem as armas, elas gostam de guerra. É, esse lugar existe e se chama Jerusalém. Então, pare de imaginar e dê um jeito de viajar pra lá.
Conflitos políticos e religiosos à parte, a capital de Israel (ou da Palestina? Mas isso será relatado em outro post) é um dos lugares mais intrigantes e interessantes do mundo. Fui para lá em outubro de 2011, durante o mochilão que fiz pelo Oriente Médio. E é justamente essa mistura maluca de culturas que torna o lugar extremamente sensacional e, por sinal, bastante turístico.

Entramos em Israel vindo da Jordânia, pelo Sul do país, e passamos pelo Mar Morto antes de chegar a Jerusalém. Ficamos no Citadel Youth Hostel, na Old City, por três noites (por 60 shekels ou 12 euros a diária), sendo que a primeira delas dormimos no roof, sótão a céu aberto. Boa opção, local com vários mochileiros dividindo histórias. Eu diria que três dias é o mínimo de tempo para se ficar por lá. Tem bastante coisa para ver.
Para conhecer a Old City, nos juntamos a um tour gratuito comum também em algumas cidades da Europa, que durou cerca de três horas e percorreu os principais pontos turísticos (Não sou muito fã de tours guiados, mas neste caso foi uma boa. Além de ter que pagar apenas se quiser e quanto quiser, o guia deu uma explicação resumida dos lugares e mostrou vários pontos que só quem é de lá mesmo conhece. Foi bom para ter uma boa noção da cidade, e depois voltar por conta nos lugares mais interessantes). Vale citar que todas as principais atrações da Old City são gratuitas e podem ser conhecidas a pé.
A Cidade Velha é dividida em quatro bairros: o cristão, o muçulmano, o judeu e o armênio, cada um com suas peculiaridades. A circulação entre os bairros é livre e apenas para pedestres, que se perdem no labirinto deixando a imaginação voltar à vida de milhares de anos atrás. Espalhadas pelas ruelas e becos estão diversas pequenas lojas que vendem souvenirs, produtos e comidas típicas de cada um destes povos, além, é claro, de contar com templos históricos. A região de 1 quilômetro quadrado é rodeada por muralhas, e existem atualmente sete portões de entrada.

Um dos principais acessos é o Jaffa Gate, onde fica o Museu Torre de David. De lá, começa a David Street, que leva aos principais lugares do bairro cristão e se estende até a entrada da Praça do Muro Ocidental. Mas a principal atração desta região é mesmo a Igreja do Santo Sepulcro (Church of Holy Sepulchre), local onde os católicos acreditam que aconteceu a crucificação e a ressurreição de Jesus Cristo.
O bairro muçulmano, que tem como principal porta de entrada o Damascus Gate, é o que abriga a maior população da Old City. Depois de passar alguns dias em países árabes do Oriente Médio, basta uma volta nesta região para relembrar os principais costumes islâmicos e os sons das mesquitas. Apesar de a região ser atualmente muçulmana, é lá que se localiza a Via Dolorosa. De acordo com a crença cristã, foi por este caminho que Jesus fez a Via Crucis, carregando a cruz até morrer.
Já no bairro judeu, o mais rico e com casas mais bem cuidadas, estão diversas sinagogas, como a Hurva, e também o Cardo, um sítio arqueológico descoberto após escavações. Mas o cartão postal da região é o famoso Muro Ocidental (Western Wall), mais conhecido como o Muro das Lamentações. É o local mais sagrado para o judaísmo, único vestígio do antigo Templo de Herodes, destruído em uma das inúmeras batalhas em Jerusalém. Mas lá, além de judeus ortodoxos rezando durante o dia inteiro, também estão turistas (que são obrigados a usar um quipá na cabeça) colocando entre as pedras do muro bilhetea de papel com pedidos e agradecimentos. Para entrar na praça onde fica o muro, é necessário passar por um detector de metais, antes de chegar ao local frequentemente lotado de viajantes e moradores locais dos mais diferenciados tipos e culturas.
O menor e menos atrativo, mas não menos importante, dos bairros é o armênio. Lá fica a St. James Cathedral. Aí vem a pergunta: por que armênio e não russo, japonês, inglês, americano, etc..? Porque a Armênia foi o primeiro país do mundo a aceitar a religião cristã.

Para finalizar as atrações da Cidade Velha, deixei por último o Temple Mount (Monte do Templo), talvez a mais famosa e “curiosa” das atrações. Lá fica o Dome of the Rock (Cúpula da Rocha), tradicional mesquita com a cúpula dourada. O local é o terceiro mais sagrado do planeta para o islamismo, ficando atrás apenas de Meca e Medina. Mas espera aí, como que pode existir um lugar tão importante para os muçulmanos dentro de um país predominantemente judaico e também sagrado para os cristãos. Pois é, às vezes é difícil de imaginar. Eu mesmo não sabia de diversos interessantes detalhes do que acontece por lá. Neste mesmo local, teriam acontecido momentos históricos para três religiões distintas. Para os muçulmanos, foi a partir dali que Maomé teria subido ao céu. Para os judeus, foi onde Abraão teria oferecido seu filho Isaac ao sacrifício. Para os cristãos, foi onde Caim teria matado o irmão Abel.
Depois de muitas disputas, guerras e domínios, quem controla hoje o Temple Mount são os muçulmanos. A entrada para qualquer pessoa não muçulmana (de qualquer outra religião, seja turista ou morador local) só é permitida em restritos horários durante o dia e nunca nas sextas-feiras, sábados e feriados. O controle de acesso é rígido, com militares armados, revista rigorosa, raio-x e é necessário se vestir discretamente (nada de bermudas ou saias curtas).

Lá dentro, além do imponente Dome of the Rock, também fica a Mesquita de Al-Aqsa, mas apenas muçulmanos podem conhecer o interior delas. De qualquer forma, vale bastante a visita por toda a praça, pela área verde do complexo e pela energia do local.
Apesar de tantos lugares a serem visitados na Old City, Jerusalém ainda tem muita coisa a oferecer foras das muralhas. O Monte das Oliveiras, por exemplo, conta com diversas igrejas, a Tumba de Vigem Maria e foi onde Jesus teria feito alguns de seus ensinamentos. No Monte Zion, estão a Tumba do Rei David e o túmulo de Oskar Schindler. Na Cidade Nova, ficam o tradicional Mercado de Mahane Yehuda e o bairro de Mea She`arim, onde se concentram os judeus ortodoxos, sempre vestidos todos de preto, com chapéu e barba longa. Claro, ainda existem na cidade muitos outros museus, igrejas, sinagogas e mesquitas, que podem ser visitadas de acordo com o gosto específico de cada um.

Mas como citado no início do post, Jerusalém também oferece muita diversão para o viajante. Na New City, nas travessas da Jaffa Road e perto da Zion Square estão diversos bares que ficam lotados de jovens durante a noite. A cidade é de fato vibrante, com diversas opções de lazer. E também existem boas baladas que rolam até o amanhecer. Fui à HaOman 17, que fica a uns 15 minutos de táxi do centro. Lugar grande, com música eletrônica e comercial, lotado de mulher, era um dos nightclubs que estava pegando na época. E por falar em mulherada, Israel me surpreendeu positivamente neste sentido. Impressionante o nível das israelenses. O exército do país é sacanagem, as minas “desfilam” beleza vestidas de militar e com uma metralhadora pendurada no pescoço durante o dia. E, à noite, essas mesmas militares estão nas baladas. De fato, elas querem guerra.
Nos posts seguintes, ainda vou escrever mais sobre os conflitos entre Israel e Palestina, a segurança por lá, costumes e curiosidades da região, e também relatos sobre deslocamentos dentro do país, imigração e informações gerais. Além, de Jerusalém, visitei o Mar Morto, Tel Aviv e Belém, lugares bem diferentes um do outro.
Independentemente de sua religião ou intensidade de sua fé, é até difícil descrever a sensação de estar em uma terra santa como esta. Ir a Jerusalém é ver a história do mundo de perto e com os próprios olhos, em determinados momentos até se sentido um pouco parte desta história. Seja você cristão, judeu, muçulmano ou até mesmo ateu, a capital de Israel certamente é um dos destinos mais espetaculares do planeta para se conhecer.

Legendas: 1) Dome of the Rock (Cúpula da Rocha), no Temple Mount - 2) Muro das Lamentações ou Muro Ocidental - 3) Igreja do Santo Sepulcro - 4) David Street, com comércio típico, do bairro cristão da Old City - 5) Vista panorâmica da Old City, a partir do hostel, com Dome of the Rock e Monte das Oliveiras ao fundo - 6) Espetaculares militares israelenses em Jerusalém

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Aleppo, Damasco e Palmyra: bem mais do que a hospitalidade síria na entrada ao mundo árabe


Guerras, conflitos e problemas políticos atuais à parte, a Síria tem bastante coisa interessante para oferecer a um viajante. Muitos mais do que especificamente um ponto turístico, o conjunto de construções históricas e a atmosfera de uma região que abrigou antigas civilizações dão um tom exótico ao lugar. A simpatia e hospitalidade do povo local (coisa que eu mais li nos guias antes de viajar) misturada com cultura, costumes e religião bem diferentes da realidade que nós estamos acostumados também contribuem para uma viagem bastante curiosa por lá.
No mochilão que fiz entre setembro e outubro de 2011, a Síria foi o ponto de entrada ao verdadeiro mundo árabe, islâmico, depois de passar por um “ensaio” na Turquia. Foram três noites no país, entre Aleppo, Damasco e Palmyra, o que incluiu visita a diversas mesquitas, mercados típicos, ruínas históricas e, claro, substantivos cotidianos dos sírios, como narguilé, chá, esfiha, buzina, Alá...

Vindo da Turquia, cruzamos a fronteira em Bal al-Hawa, saindo da cidade turca de Antakya rumo a Aleppo, viagem que durou umas 4 horas. É possível fazer o trajeto de ônibus, mas pelo horário acabamos pegando um táxi compartilhado, o que acabou saindo muito mais caro. A vantagem é que o mais caro na Síria não é tanto assim, já que as coisas são absurdamente baratas por lá: 80 pounds sírios equivalem a 1 euro.
Aleppo - Chegando em Aleppo, a primeira impressão é de caos total. Tudo cinza, poeira, buzinas, trânsito maluco, todas as placas naqueles rabiscos que eles chamam de letras e um bando de Mohamed falando lalalala com você. Mas aos poucos você vai se acostumando. O segredo é não se estressar, o que confesso que às vezes é difícil. Ao mesmo tempo que existem muitas pessoas querendo te ajudar e agradar, existem outras (geralmente as com pouca formação e educação, como alguns taxistas e prestadores de serviço em geral) querendo te passar a perna, ganhar dinheiro em cima e coisas do tipo. Nada tão ruim como no Egito, o pior lugar nesse ponto, mas ainda assim é bom sempre ficar esperto.

Ficamos no hotel Kaser Alandaloss, bem central, quarto duplo, mas sem banheiro, por 250 pounds sírios (4 euros) a diária por pessoa. Pelo preço, não dá pra reclamar das condições. Bem aceitáveis.
Mas o que tem pra fazer em Aleppo? Vamos lá. É uma cidade bastante conservadora, com mais mulheres todas de preto com aquelas burcas que só não cobrem os olhos do que em qualquer outra das principais cidades da Síria. As principais atrações são: o Souq al-Attarine, o Great Mosque e a Citadel, todas elas localizadas na Old City e facilmente acessíveis a pé.
O Souq nada mais é do que um mercado ou bazar gigante, formado por um labirinto de pequenas ruelas e becos estreitos com diversas lojinhas de produtos típicos. Vende-se de tudo que se pode imaginar: roupas, perfumes, cosméticos, joias e bijuterias, comidas, vários temperos e sementes. O cheiro do local é algo inconfundível. O Great Mosque é a principal mesquita da cidade, onde vale a pena entrar e relaxar um pouco no carpete observando os muçulmanos cultuarem Alá. Já a Citadel é um imenso forte, que está boa parte em ruínas, localizado no topo de uma colina, de onde se pode ter uma bela vista de toda a cidade velha.

Outra área interessante é o distrito cristão de Al-Jdeida, onde ficam várias igrejas, lojas e bons restaurantes. Dei uma volta por lá à noite e não vi muito movimento de bares, mas uma boa opção é o restaurante Al-Mashrabia, com todas aquelas comidas árabes tradicionais, como quibe cru, tabule, hummus, baba ganoush, etc...
Saindo de Aleppo pegamos um ônibus para Damasco, pela empresa Al-Eman (200 pounds sírios), em um trajeto de 5 horas. Demos sorte, porque pegamos o primeiro busão que vimos pela frente e era bom. Aliás, esta é uma missão que exige bastante paciência no Oriente Médio. Quando entramos na rodoviária fomos praticamente atacados por um monte de gente oferecendo passagens e falando um monte de coisa que não dá para entender nada. Cada um, claro, querendo vender seu peixe (sua passagem, no caso), mas com condições pouco confiáveis.

Damasco - Chegamos à capital síria e fomos para o Al-Rabie Hotel, considerado o melhor da região pelos mochileiros, localizado em um bom ponto, entre a cidade velha e a nova. Tirando o fato que tinha um gato morto e sangrando no quarto no roof que iríamos ficar (sim, iríamos dormir no roof, uma espécie de sótão, que é bem mais barato. Afinal, mochilismo é isso), de resto o local até que era tranquilo. Como preferimos não dividir o aposento com o felino, acabamos ficando em um quarto compartilhado normal, sem banheiro, por 350 pounds sírios a diária.
Tida como a capital ainda habitada mais antiga do mundo, Damasco não se difere muito de Aleppo em sua distribuição geográfica. É na Old City onde também ficam os principais pontos de interesse, como a Mesquita Umayyad, o Souq al-Hamidiyya e o Palácio Azem. A mesquita é uma das mais sagradas do mundo islâmico, vale estar lá para observar no horário de uma das cinco rezas diárias que os muçulmanos são obrigados a fazer. Ao lado de um dos muros da Umayyad está o mausoléu de Saladin, um dos heróis da história árabe. Pelas ruelas do souq, onde se encontra de tudo nas lojinhas, desfilam desde típicos senhores árabes com véu na cabeça e mulheres todas cobertas de preto até jovens mais modernos vestindo roupas de marca. Claro que existem diversas outras mesquitas, templos, museus, madrassas (escolas) e coisas do tipo por ali, mas ai vaí do interesse de cada um para ficar entrando em todos.
Ainda dentro das muralhas que circundam a cidade velha, existe o distrito cristão, na área entre os portões de Bab Touma e Bab ash-Sharqi, onde o cenário é um pouco mais liberal, com a presença de alguns barzinhos e jovens aproveitando a vida noturna. Por ali, perto da conhecida Via Recta (Straight Street) ficam algumas baladas (acreditem, baladas na Síria) como o Marmar, o Zodiac e o La Serail, que dizem bombar nos finais de semana. Porém, é bom checar se realmente enche nas sextas e sábados, porque nos dias da semana que estivemos lá, o negócio era bem devagar. Mas, pelo menos cerveja, entre elas a Barada Beer, produzida na Síria mesmo, não é difícil de comprar, mas só em lugares específicos. Na maioria dos bares, além de ser uma raridade achar uma mulher, os caras ficam a noite toda fumando narguilé e tomando.... chá, fanta laranja, suco !?! (vai entender).
Quanto à comida, mesmo para quem tem frescura, encontrar restaurantes com pratos “normais”, servindo frango e carne não é problema. Além disso, obviamente, esfihas a preço baixíssimo fazem a alegria de qualquer mochileiro. Encontramos por lá o “verdadeiro Habib`s”, que vendia esfihas a 10 pounds sírios (uns 15 centavos de euro).

Palmyra - De Damasco, fizemos uma day-trip, um bate e volta no mesmo dia, para Palmyra. É só chegar na rodoviária Harasta/Pulmlman Garage (atenção, existem outras na cidade), “enfrentar” o enxame de agradáveis vendedores de passagem, escolher uma empresa que pareça ser mais confiável e arriscar. Pagamos 150 pounds sírios na ida e 200 na volta, e são 3 horas de viagem cada trecho. Palmyra não tem exatamente uma rodoviária, então os ônibus podem parar em locais diferentes. No nosso caso, tivemos ainda que pegar um táxi para chegar ao centro.
Como já relatei no post anterior, eu e o Chuck éramos literalmente os únicos turistas em Palmyra naquele dia, os primeiros nos últimos três meses, devido aos conflitos no país. Visitamos tranquilamente as ruínas (um dos inúmeros patrimônios mundiais da Unesco) localizadas no deserto, construídas há milhares de anos, em uma data não precisa, mas que fez parte da história da Mesopotâmia e do Império Romano, por exemplo. Durante o tempo que andamos por entre as gigantes pilastras, apenas camelos, alguns beduínos e uma tempestade de areia cruzaram nossos caminhos. Tem gente que prefere pernoitar na cidade para ver o nascer ou o pôr do sol, mas nosso cronograma de viagem era apertado para isso. Voltando a Damasco, o próximo destino seria Beirute, a capital do Líbano.
Além dessas cidades que visitamos, existem outros highlights na Síria, como Hama, Homs, o Crac des Chevaliers, Bosra e Maloula, que acabamos não indo por falta de tempo.
Viajar para a Síria não parece das coisas mais normais do mundo, ainda mais durante um período de guerra. Mas o objetivo era esse mesmo. É aquela coisa: não é exatamente o lugar para se visitar se você está procurando baladas, diversão ou relaxar em um resort. É um destino exótico, assim como praticamente todo o Oriente Médio. Mas é um lugar sensacional se você busca viver uma realidade distinta daquela que nós estamos acostumados. Costumes, pensamentos, estilo de vida, língua, religião, culinária, enfim, tudo bem diferente. E é isso que me instigava neste mochilão, aprender com novas experiências e enriquecer culturalmente.

Legendas: 1) Ruínas de Palmyra - 2) Souq al-Attarine, em Aleppo - 3) Muçulmanos rezando dentro do Great Mosque, em Aleppo - 4) Trânsito caótico nas ruas de Aleppo - 5) Western Temple Gate, no final do Souq al-Hamidiyya, em Damasco - 4) Ruínas de Palmyra completamente desertas, apenas com alguns camelos

domingo, 11 de dezembro de 2011

Síria: turismo e vida normal em um país que sofre com conflitos e revolta contra Bashar al-Assad


Dos sete países visitados no Oriente Médio, a Síria com certeza foi o que me criou mais expectativa. A tão falada hospitalidade da população local, as ruínas de Palmyra, os souqs de Aleppo e as mesquitas da capital Damasco são os principais motivos da visita de qualquer um. No entanto, desta vez, algo nem tão admirável prendia minha atenção: os conflitos e a violência no país por causa da revolta de civis contra o governo ditatorial de Bashar al-Assad.
Pensei muito antes de ir, cogitei tirar a Síria do roteiro cada vez que eu via na TV as cenas de guerra e os milhares de mortos, mas a cada pequena informação positiva que eu via tinha mais certeza que deveria ir. Depois de ir e de viver toda a experiência, fica a lição de que valeu muito a pena. Apesar de tanques de guerra, metralhadoras e exército nas ruas, o risco foi mínimo. Eu diria que quase nenhum. Me senti muito mais seguro por lá do que em muitos lugares de São Paulo.

Foram três noites na Síria, entre Aleppo, Damasco e Palmyra, no final de setembro de 2011. Pelo bom senso, não fomos para Homs e nem Hama, as cidades onde estão acontecendo os maiores protestos. Durante esse tempo, além de mim e do Chuck, parceirasso deste mochilão, entre estrangeiros, encontramos apenas um casal de antipodeans (australiana e neozelandês) por lá. Acho que éramos os únicos turistas naquele momento no país todo, o que comprova que o cenário tenso afasta bastante as pessoas e desencoraja os viajantes. Inúmeras vezes fomos parados nas ruas por simpáticos sírios, desde crianças até velhinhos, impressionados e satisfeitos com a presença de estrangeiros por lá. Não foram poucos os “Welcome to Syria” que ouvimos.

Pode parecer loucura visitar um país em guerra, mas foi uma das melhores experiências que já tive. Claro que a situação por lá não é boa, mas a impressão que se tem vendo apenas as notícias da mídia internacional é muito pior. Na verdade, a vida segue bem normal para a grande maioria das pessoas, as cidades funcionam normalmente, sem qualquer sinal de caos, pelo menos em Damasco e Aleppo. O que, de fato, está bastante afetado é o turismo. Palmyra, onde ficam as ruínas romanas que são a atração mais visitada do país, é uma cidade fantasma atualmente. Quando estivemos lá, além de nós, só tinham camelos e alguns beduínos. Chegamos a pegar um táxi de graça, depois de dizermos que iríamos fazer o trajeto a pé, pelo simples fato de o motorista dizer: “Vocês são os primeiros turistas aqui nos últimos três meses, então eu levo vocês de graça mesmo, é melhor do que ficar sem fazer nada”.

Vendo de fora o que acontece na Síria, a primeira coisa que vem à cabeça é uma comparação com o que aconteceu com o Mubarak, no Egito, e com o Khadafi, na Líbia. Não sou especialista no assunto, mas o que me parece é que são situações bem diferentes. O al-Assad tem o apoio de muita gente por lá, pelo menos por enquanto. Os protestos contra ele se concentram em algumas regiões, mas ainda não é uma coisa generalizada. Por onde passei, é impressionante o número de cartazes e placas espalhados com a foto do presidente, embora eu imagine que em alguns lugares as pessoas colocam isso muito mais por obrigação e por medo do que propriamente por suporte a ele.
Bashar al-Assad está no comando da Síria desde 2000, após a morte do pai, Hafez al-Assad, que foi presidente de 1971 até então. As revoltas contra a política do ditador começaram em março de 2011 e até agora, segundo a ONU, mais de 4.000 pessoas já morreram.
Na prática mesmo, apesar da dificuldade na comunicação, não tivemos grandes problemas para encontrar hotéis, para pegar ônibus, para comer em restaurantes. Até mesmo cerveja nós conseguimos comprar em diversos lugares, apesar de os muçulmanos serem proibidos de consumir bebida alcoólica. A única coisa que está realmente afetada é o uso do cartão de crédito internacional, tanto para sacar dinheiro quanto para fazer compras. Com o embargo econômico dos Estados Unidos, não está mais funcionando por lá nenhum cartão de fora do país, seja Visa ou Mastercard. Tentei sacar dinheiro no caixa eletrônico algumas vezes, mas nada feito. Como eu já sabia disso, tinha levado cash mesmo, um pouco em libras sírias e um pouco em euro. Outra dificuldade por lá é no acesso à internet. Sites como Hotmail, Gmail, Facebook e Twitter são bloqueados pelo governo, apesar de existirem algumas lanhouses que dão um jeito de burlar isso.

Mesmo nos checkpoints militares que passamos nas estradas, não houve perturbações. Apenas checagem de passaporte e breves perguntas sobre o motivo da viagem. E por falar em passaporte, aí vai uma grande vantagem de ser brasileiro. Ficou muito evidente que ao saberem que éramos do Brasil, a preocupação deles acaba. A imagem de paz do nosso país ajuda bastante. Era falar em Brasil, que vinham sorrisos, brincadeiras e, claro, citações ao samba, ao futebol e a Ronaldinho, Kaká e companhia.

Apesar de ter sido tudo bem tranquilo, poderia ter sido muito complicado já desde a imigração. Aí vai uma boa sacada que eu tive antes mesmo da viagem. Tirei o visto sírio, que é obrigatório, aqui em São Paulo e quando preenchi o formulário não coloquei que eu era jornalista. Meti um administrador de empresas no papel. Tiro certo. Se eu tivesse colocado jornalista, eu não teria entrado no país. Ou, no mínimo, teria vários problemas. Quando cruzei a fronteira, vindo da Turquia, foi a única pergunta feita incisivamente pelo oficial de imigração: Qual a sua profissão? Ficou claro a preocupação e a censura que o governo local está fazendo com a mídia internacional por causa da situação no país. Vale citar que com o visto tirado no Brasil, por 78 reais, não é preciso desembolsar mais nada na entrada à Síria, mas paga-se 500 pounds sírios (7 euros) na saída do país.
Bom, mas e o que tem de bom para fazer na Síria? No próximo post escrevo mais detalhadamente sobre as cidades que visitei, costumes e atrações turísticas. Antes, deixo dois links aqui bem interessantes. O primeiro é sobre o relato à “Folha de S. Paulo” de um jornalista brasileiro que foi preso na Síria. Impressionante! ( http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1008643-bem-vindo-a-siria-desculpe-por-prende-lo.shtml ). O segundo é uma entrevista da ABC com o presidente Bashar al-Assad. Vale assistir! ( http://abcnews.go.com/International/bashar-al-assad-interview-defiant-syrian-president-denies/story?id=15098612#.TuJy3WMk67s ).
Salaam Aleikum!

Legendas: 1) Cartazes com foto do presidente Bashar al-Assad estão espalhados pelas ruas e prédios da Síria - 2) Apesar dos conflitos, vida segue normal em Damasco, como se vê no Souq al-Hamidiyya - 3) Já na turística Palmyra virou uma cidade fantasma, as ruas estão desertas - 4) Mesquita Umayyad, a maior do país, em Damasco - 5) Citadel, em Aleppo - 6) Campo de refugiados sírios, perto da cidade de Antakya, na Turquia, logo depois da fronteira

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

De volta após um mochilão pelo Oriente Médio!

Meus caros,

Mais uma vez minha ausência aqui foi mais longa do que o esperado, mas a correria do trabalho me impede de escrever aqui mais vezes. De qualquer forma, volto com bastante coisa pra postar. Entre setembro e outubro tirei férias e fiz mais um mochilão que rendeu várias histórias, experiências e uma bagagem cultural espetacular!
Fiquei um mês viajando pelo Oriente Médio, um mundo realmente diferente do que eu estou acostumado a contar aqui sobre a Europa. Estive na Turquia, Síria, Líbano, Jordânia, Israel, Palestina e Egito. Aos poucos, vou tentando relatar essas viagens com tantas coisas distintas. Desde praias até desertos, desde muçulmanos até judeus, desde mulheres de burca até as espetaculares soldadas do exército israelense. Balonismo na Capadócia, Maravilhas do Mundo, violência na Síria, baladas no Líbano, Petra, Mar Morto, o eterno conflito entre Israel e Palestina, pirâmides....
Foi uma mistura de várias realidades que tentarei colocar em palavras da melhor maneira possível. E antes de tudo, acho que vale citar uma coisa logo agora. O Oriente Médio é muito mais seguro para um viajante do que imaginamos. Guerras e problemas políticos à parte, e nesse caso é importante deixar claro que a mídia internacional faz um barulho muito maior do que o que realmente acontece, não me senti em situação de risco em nenhum momento por lá. Muito pelo contrário. Com as devidas precauções e sem se impressionar com tanques, metralhadoras e o exército nas ruas, foi uma viagem que valeu muito a pena. Vou dividir as histórias, dicas e fotos em vários posts a partir de agora.
Cheers!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Moscou: do comunismo soviético à abertura para o mundo, a surpreendente capital russa


Poucas cidades no mundo são capazes de te surpreender positivamente quando você cria uma grande expectativa sobre ela antes de visitá-la. Moscou é uma dessas e entrou na minha lista de favoritas. Símbolo do comunismo, a capital da Rússia cada vez mais se abre ao mundo e se aproxima da realidade capitalista. Mesmo assim, glasnost (abertura) e perestroika (reestruturação)à parte, ainda conserva muita história, características e a essência da antiga União Soviética. A Praça Vermelha, o Kremlin e a St. Basil Cathedral são um espetáculo à parte.
Fiquei três dias por lá agora em maio de 2011, antes de ir para a final da Champions em Londres. Aproveitei que estava indo para a Europa e peguei uns dias de folga para conhecer um lugar novo. Eu queria um destino diferente dos tradicionais, outra cultura e acabei colocando essa idéia em prática. Paguei 238 libras esterlinas nos voos de ida e volta da BMI de Londres para Moscou, valor mais alto em relação à média dos vôos dentro do continente. No entanto, vale lembrar que as companhias aéreas low-cost ainda não voam para lá, e este trajeto é mais longo, quatro horas de viagem.

Fui com as amigas Suelen e Mariana e ficamos no Godzillas Hostel, por 12 euros (500 rublos) a diária cada um, sem café da manhã. Acomodação boa, organizada e sem nenhum atrativo especial, mas justa pelo preço e a uns 15 minutos de caminhada até a Praça Vermelha. Moscou é uma cidade bem grande, com mais de 10 milhões de habitantes, é a sétima maior do mundo e tem a maior área metropolitana da Europa. Mesmo assim, achei que três dias foi o tempo ideal para conhecer as principais atrações. Claro que se a estada for mais longa é possível aproveitar ainda melhor, mas se houver mais tempo a recomendação é conhecer também São Petersburgo, o que acabei não podendo fazer.

Chegamos ao aeroporto Domodedovo em um sábado pela manhã, pegamos um trem até o centro da cidade (estação Paveletsky) e depois o metrô até a estação (Tsvetnoy Bulvar) mais perto do hostel. Mas o que pode parecer fácil para um viajante frequente não é tão simples assim na Rússia. Acho que dos 37 países que eu conheci até hoje, esse foi o que eu tive mais dificuldade na comunicação. A maioria da população local não fala inglês, em geral, apenas os mais jovens têm o domínio da língua. Isso também acontece em várias outras nações, eu sei, mas onde se fala espanhol, italiano ou francês, por exemplo, o entendimento é muito mais fácil. Para piorar, em raríssimos lugares, apenas nos extremamente turísticos, há informações, placas e sinalizações em inglês. De resto tudo, é escrito naqueles desenhinhos bizarros que eles chamam de letras, também conhecido como alfabeto cirílico. Para quem não tem o conhecimento do idioma, é simplesmente ilegível.
Resumindo, o simples fato de pegar um metrô e trocar de linha se torna uma aventura. Além de tudo estar escrito em russo, a maioria das placas não tem a cor da linha junto. E pedir uma informação nas ruas não é das dez tarefas mais fáceis do mundo. Mas isso também não é motivo para pânico exagerado. A partir do segundo dia você vai se acostumando com a bagunça, fazendo as relações e os símbolos do cirílico ficam um pouco mais parecidos com o nosso alfabeto romano. Dica: tenha sempre a mão um mapa do metrô que tenha o nome das estações nas duas línguas, russo e inglês. Atenção: estações por onde passam mais de uma linha geralmente tem mais de um nome. Por exemplo, a mesma estação chama-se um nome X para a linha verde e outro nome Y para a linha vermelha.
Muita complicação? Bom, vamos ao lado bom do metrô moscovita. Além de ele cobrir praticamente toda a cidade, sendo um meio de transporte bem eficiente, a beleza da arquitetura subterrânea compensa tudo. Estações como Komsomolskaya (hein?!?) e Novoslobodskaya, entre outras, valem a visita.

As principais atrações turísticas estão concentradas ao redor da histórica Praça Vermelha, palco de revoluções no coração da cidade. Lá estão a St. Basil Cathedral (aquela famosa igreja toda colorida), o History Museum (uma imponente construção vermelha), o enorme centro comercial GUM (uma espécie de shopping center com boas opções de lojas e restaurantes), a Kazan Cathedral, o Mausoléu de Lênin e, claro, o Kremlin.
A St. Basil Cathedral é mais interessante e fotogênica por fora do que por dentro, mas se tiver tempo, não custa entrar. O Mausoléu de Lênin é uma visita obrigatória, com a entrada gratuita, tem uma fila às vezes longa, mas compensadora. A impressionante oportunidade de ver o corpo de Lênin embalsamado e em perfeito estado de conservação foi uma das experiências mais marcantes na minha vida de viajante. O corpo do ex-líder do partido comunista russo e ex-chefe de Estado soviético, que morreu em 1924, “simplesmente” está exposto há décadas bem no centro de Moscou para o público em geral ver. A mera observação de Lênin faz você se sentir parte da história. Por ali, do lado de fora, na parede do Kremlin, também estão os túmulos de Stalin e Yuri Gargarin (com os escritos apenas em russo, a identificação fica difícil, vale perguntar no local).

O Kremlin é outro ponto turístico que não se deve perder. A sede do governo da Rússia (por onde passaram Lênin, Stalin, Mikhail Gorbachev, Boris Yeltsin, Vladimir Putin e, atualmente, Dmitry Medvedev), rodeada por imensos muros e torres de proteção, pode ser visitada e possui diversas construções e monumentos em seu interior. Existem algumas opções de tipos de ingressos para o local. Paguei 100 rublos (o que equivale a 2,50 euros e é o preço de estudante, o valor normal é 350 rublos), o que dava acesso à maioria dos lugares, incluindo a Cathedral Square, onde ficam as chamativas igrejas com cúpulas douradas: Assumption Cathedral, Annunciation Cathedral, Archangel Cathedral e The Bell-Tower of Ivan the Great. Os prédios do Palácio do Kremlin e o Senado russo podem ser vistos apenas por fora. Já para conhecer a Armoury Chamber, um museu das armas que retrata a trajetória de antigos czares, paga-se mais 350 rublos (cerca de 8 euros).
Mas os pontos de interesse de Moscou não param por aí. Vale citar o famoso Teatro Bolshoi, conhecido no mundo inteiro como uma das melhores companhias de balé e ópera, além da Cathedral of the Christ the Redeemer, além de outros museus espalhados pela cidade. Agradáveis também são o passeio de barco pelo rio Moscou e a rua comercial Stary Arbat. Para quem gosta de futebol, o estádio Luzhniki também deve fazer parte do roteiro.

Como não poderia faltar, falou em Rússia falou em vodka. E opções de bares e baladas noturnas para “degustar” a tradicional bebida local não faltam. Vale sempre perguntar no hostel onde está bombando no momento, mas o Propaganda é um dos principais clubs de lá e provavelmente um tiro certo se você busca diversão. Assim como em outros lugares da Europa, o Propaganda adota o “face control” na porta. Ou seja, quanto mais cedo chegar, mais garantida é a entrada, já que mais tarde o risco aumenta de o segurança barrar usando algumas das desculpas usuais: não pode entrar de tênis, precisa estar de camisa social, só pode entrar se estiver acompanhado de uma mulher, já está lotado, etc...
Antes de encerrar, uma dica para não gastar dinheiro à toa. Logo que cheguei ao hostel, falaram na recepção que estrangeiros precisavam pagar uma taxa de 400 ou 600 rublos (não lembro exatamente o valor) para fazer um registro na polícia russa. Se fossemos parados por um policial na rua sem esse registro, teríamos que pagar uma multa. Desconfiei, não paguei e até hoje não sei se realmente era verdade. De qualquer forma, apesar dos muitos policiais pela cidade, nunca me pediram nada.
Muita história, cidade vibrante e agradável, clima variado (peguei muito calor e sol em maio, mas o inverno é bem rigoroso, com neve), acesso mais fácil para nós (desde 2010 brasileiros não precisam mais de visto para entrar no país) e, claro, as russas primas da Sharapova... Precisa de mais motivos para visitar Moscou?

Legendas: 1) St. Basil Cathedral - 2) Praça Vermelha, com o History Museum (à esquerda) e a Kazan Cathedral (à direita) ao fundo - 3) Kremlin, visto de ponte sobre o Rio Moscou - 4) Cathedral Square, com as igrejas dentro do Kremlin - 5) Teatro Bolshoi - 6) estação de metrô Komsomolskaya